Fotos: Guilherme Paranaiba e Edwaldo Cabidelli
Jequitinhonha com água clara em Terra Branca, Distrito de Bocaiúva
"O Rio Jequitinhonha nos traz a riqueza, que é a água. Onde estamos hoje, a água é o principal bem que a gente tem. Ter o rio no fundo do nosso quintal é a melhor coisa e ele limpo desse jeito é um sonho, porque a gente nunca viu assim". Nas palavras da agricultora familiar Valquiria dos Santos Lima, de 30 anos, moradora da comunidade rural da Lagoa, em Carbonita, no Vale do Jequitinhonha, está um retrato novo de um dos rios mais importantes de Minas. Um ano após ser cenário da operação que pôs fim à atividade mecanizada de garimpo ilegal, o rio já cantado em versos e que testemunha alegrias e agruras da população ao longo de 63 municípios mineiros e sete baianos, volta a apresentar melhoria em seus índices de qualidade da água. Um deles, o de turbidez, que mostra o nível de partículas em suspensão na água, teve redução de 87%, revelando uma água mais límpida na porção a jusante do garimpo, localizado nos municípios de Diamantina e Couto Magalhães. A retirada do maquinário pesado que degradava o leito do Jequitinhonha, na região conhecida como Areinha e adjacências, ocorreu em abril de 2019, quando a Polícia Federal desencadeou a Operação Salve o Jequitinhonha, com apoio direto da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e da Polícia Militar (PMMG).
Passados 14 meses desse trabalho dos poderes públicos estadual e federal, levantamento do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) sobre a qualidade da água do rio mostra que a situação mudou. O estudo, que analisou a água em um ponto 70 quilômetros a jusante da área degradada pelo garimpo, bem próximo da ponte da BR-451 sobre o curso d’água, em Olhos D’água (Norte de Minas), mostra a redução expressiva na turbidez. O indicador passou de 131,25 NTU, na média dos quatro últimos resultados medidos um ano antes da fiscalização, para 18,4 NTU, levando em consideração a média dos quatro últimos resultados medidos um ano após fiscalização, ou seja, uma queda de 87%.
Foto: Ari Fabiano/Divulgação
Redução de 87% da turbidez foi verificada em um ponto bem próximo da ponte sobre o Jequitinhonha onde foi captada essa imagem, na BR-451
O secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Germano Vieira, fala da importância da operação de modo geral e diz que são as pessoas da região as melhores testemunhas dessa mudança. "É com muita satisfação que nós recebemos as notícias de quem realmente vive no local das melhorias da qualidade ambiental após a Operação Salve o Jequitinhonha. O fato de a fiscalização trazer qualidade de vida para as pessoas e uma melhora considerável e significativa da qualidade ambiental é muito gratificante", diz o secretário.
Para a diretora-geral do Igam, Marília Melo, esse é um resultado muito significativo para a saúde do manancial e, consequentemente, para a população que mora às margens do curso d’água. “Essa redução da turbidez indicada pelos nossos dados de monitoramento é um indicativo muito importante não só para o governo, mas para toda a população mineira, que vive às margens do Jequitinhonha e precisa da água desse importante curso d’água que corta Minas Gerais. Isso porque, ela mostra que houve uma diminuição significativa na quantidade de partículas em suspensão na água e, consequentemente, uma melhoria da qualidade dessa água. Com isso, o Rio Jequitinhonha passou a chegar com mais qualidade para quem precisa da água a jusante daquela área do garimpo de Areinha”, afirma Marília.
A diretora-geral ainda ressalta que os dados demonstram a relevância do monitoramento de qualidade das águas como ferramenta para direcionar ações e para validar a efetividade da gestão e fiscalização ambiental em Minas Gerais.
O levantamento realizado pelo Igam vai ao encontro dos relatos de moradores ribeirinhos sobre as águas limpas, que passaram a ser comuns especialmente a jusante do antigo garimpo na porção do chamado Alto Jequitinhonha. Essa divisão vai desde suas nascentes, no município do Serro, Região Central de Minas, até o reservatório da Usina Hidrelétrica de Irapé, em Grão Mogol, no Norte de Minas, que possui a barragem mais alta do Brasil e a segunda maior da América Latina, com 208 metros de altura. É no trecho a jusante do garimpo nessa porção da bacia que as melhorias podem ser observadas.
EXPEDIÇÃO DO SISEMA
Para conhecer os relatos e a realidade de quem depende da água do Rio Jequitinhonha para viver no território mencionado, uma equipe da Assessoria de Comunicação do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) percorreu seis comunidades pertencentes a cinco municípios do Vale do Jequitinhonha e do Norte de Minas e publica, a partir de hoje (3/6), uma série de reportagens em textos, fotos e vídeos até sexta-feira (5/6), quando é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente. As comunidades visitadas pertencem aos municípios de Berilo, Turmalina, Carbonita, Olhos D’água e Bocaiúva.
O trabalho acompanhou, ainda, nova vistoria da Subsecretaria de Fiscalização (Sufis) da Semad em parceria com a Polícia Militar do Meio Ambiente na área onde o garimpo mecanizado funcionava até abril de 2019, entre Diamantina e Couto de Magalhães de Minas, para avaliar as condições da água, que melhorou consideravelmente na região, e para verificar como está o meio ambiente na região pouco mais de um ano após a Operação Salve o Jequitinhonha. Para concluir o segmento da Bacia Hidrográfica do Alto Jequitinhonha, a equipe visitou também as áreas dos dois principais braços das nascentes do manancial, pontos onde o Jequitinhonha começa a correr cristalino nas entranhas da região que leva seu nome.
Expedição chegou até o ponto onde Jequitinhonha deixa o lago de Irapé e segue seu curso em direção à Bahia
QUALIDADE DA ÁGUA COMPROVADA PELA POPULAÇÃO
Entre os relatos colhidos da população do Vale do Jequitinhonha, que confirmam a melhoria nas condições do rio pós-garimpo, está o da agricultora familiar Valquiria, que abre esta reportagem, e o do irmão dela, Tiago dos Santos Vieira, de 32 anos, que também é agricultor familiar e ainda trabalha como agente de saúde da Prefeitura Municipal de Carbonita. Os dois vivem na comunidade rural da Lagoa, que fica na beira do rio, e não possuem memórias do manancial limpo. "Hoje está muito melhor, porque ela está limpinha, você coloca a água no filtro e ela filtra rapidinho. Quando estava suja, tinha que deixar de um dia para o outro no balde, para depois colocar no filtro e tinha que lavar as velas todos os dias", diz Valquiria.
Valquiria usa a água do Jequitinhonha para irrigar sua roça de feijão e é uma das produtoras de Carbonita que abastece a merenda escolar das escolas públicas do município
A partir do momento em que o garimpo foi interrompido, Valquiria e o irmão Tiago encontraram a vida em forma de água e comida correndo no leito do manancial. Isso porque foi o fato de a água passar a surgir muitas vezes cristalina no pós-garimpo que os permitiu instalar uma bomba, com captação de uso insignificante, para irrigar plantações.
Alimentos como milho e feijão, que dependiam do regime de chuvas normalmente prejudicado na região, passaram a ser cultivados o ano todo. "Quando você molha as plantas com água limpa, elas vingam muito melhor. Eu uso essa água todos os dias para a produção da minha comida: hortaliças, milho e feijão", diz ele.
E o benefício em termos de alimentos frescos na mesa não fica restrito apenas às residências de Tiago ou Valquiria. Os dois são membros de uma cooperativa de produtores que fornece alimentos para escolas municipais e estaduais da cidade. "Isso foi uma forma também de agregar valor e gerar renda para nós que estamos morando nas margens do Jequitinhonha. Esse rio é vida e prosperidade para mim. A partir do momento que você tem uma água de qualidade você tem saúde, tem condição de produzir uma comida de melhor qualidade para a gente e para os demais", completa Tiago.
Com água limpa no Jequitinhonha, Tiago usa irrigação para cultivar alimentos que vão para a mesa das crianças de Carbonita
As condições da água que permitiram aos irmãos da comunidade da Lagoa a possibilidade de irrigação só foram possíveis a partir da interrupção do revolvimento do leito do rio, o que é comum no garimpo mecanizado. Segundo a gerente de Monitoramento de Qualidade das Águas do Igam, Katiane Brito, sem máquinas trabalhando no leito e nas margens do rio houve redução expressiva de partículas que se misturam nos recursos hídricos. "O parâmetro turbidez é utilizado para se conhecer a quantidade de partículas que estão em suspensão na água. Essa quantidade de partículas em suspensão altera conforme o grau de preservação do solo, com a quantidade e intensidade de chuva, bem como com o lançamento de poluentes ou atividades que possam causar revolvimento do leito do rio, como o garimpo, por exemplo", diz a gerente.
Essas melhorias vivenciadas na qualidade da água surpreenderam a população ribeirinha e os atores envolvidos na luta pela preservação do manancial, segundo o ex-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Jequitinhonha, Ramon Fernando Noronha de Morais, que atualmente é vereador pelo município de Bocaiúva, no Norte do Estado. Ele é nascido no distrito de Terra Branca, que pertence a Bocaiúva e fica na margem esquerda do Jequitinhonha. Ramon deixou a presidência do comitê em março deste ano, em atendimento à legislação eleitoral, que o obrigou a sair do cargo para se candidatar nas eleições municipais de outubro.
"Achávamos que o ciclo de recuperação do rio seria de no mínimo uns cinco anos. Com intervalo muito menor que isso já foi possível perceber a olho nu uma água praticamente limpa, quase 100% cristalina em muitos momentos. Estava muito poluído, era possível observar manchas de óleo descendo nas águas. Hoje, os moradores conseguem usar água do rio para consumo e outras atividades”, afirma.
MONITORAMENTO CONTINUA
A partir da Operação Salve o Jequitinhonha, realizada em abril do ano passado, moradores de comunidades banhadas pelo rio criaram um movimento que leva o mesmo nome da operação. Eles usam a agilidade da informação a partir das redes sociais e aplicativos de mensagens pela internet para monitorar as condições do rio e manter os órgãos públicos munidos de informações por meio de denúncias quando detectam qualquer tipo de interferência na água que possa sinalizar uma tentativa de retorno da atividade garimpeira. Quando a equipe do Sisema esteve na região, havia chovido nas comunidades banhadas pelo rio, o que gerou interferência na turbidez.
Um dos integrantes do movimento Salve o Jequitinhonha, Ari Fabiano Queiroga, nascido e criado no distrito de Terra Branca, em Bocaiúva, diz que é muito importante que esses resultados relacionados à qualidade da água sejam mantidos. Ele destaca que não só a qualidade da água melhorou como também aumentou o turismo ecológico na região. “Tivemos ainda a volta de muitos conterrâneos, pois o rio limpo despertou nas pessoas o sentimento e a vontade de preservar o Jequitinhonha, pois agora elas veem o manancial como um meio de sobrevivência, de qualidade de vida e de geração de renda. Ou seja, o Jequitinhonha passou a cumprir seu papel social e sustentável para milhares de pessoas e não ficou mais restrito à geração de riqueza concentrada nas mãos de poucos e realizada de forma predatória pelo garimpo de ouro e diamantes", afirma o representante do movimento.
A presença contínua do Estado em operações e incursões nas margens do Rio Jequitinhonha para garantir a qualidade de vida dos ribeirinhos no futuro é um objetivo tanto da Semad quanto da Polícia Militar, conforme dizem o superintendente de Fiscalização da Semad, Flávio Aquino, e o comandante do Comando de Policiamento do Meio Ambiente da PMMG, coronel Cássio Soares. “A Semad monitora as denúncias e está atenta para agir em parceria com a Polícia Militar caso haja algum sinal de agressões ao meio ambiente que possam prejudicar o Rio Jequitinhonha. O tempo inteiro o nosso trabalho é compatibilizar o desenvolvimento com a manutenção dos recursos ambientais e a preservação dos ambientes”, diz Flávio Aquino.
Equipe de fiscalização da Semad visitou Areinha na última semana para verificar as condições do rio
O coronel Cássio Soares destaca que a estratégia de fiscalização consiste em visitas semanais à região historicamente marcada pelo garimpo. "Esse monitoramento é feito semanalmente através de viaturas, policiamento a pé, embarcações e também do uso de drone ao longo do Rio Jequitinhonha. Com esse monitoramento nós estamos ostensivamente ao longo do rio e, consequentemente, evitando que essa ação degradadora do meio ambiente, principalmente da grande extração, possa retornar", diz o militar. Ele acrescenta que qualquer denúncia pode ser feita de forma anônima pela população pelo telefone 181 (Disque-Denúncia), sem a necessidade da identificação do denunciante.
O delegado da Polícia Federal responsável pela coordenação da operação, Luiz Augusto Pessoa Nogueira, que chefia a Divisão de Repressão a Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da PF em Minas, destaca que é a presença constante do poder público que garante os resultados atuais conseguidos pela operação. "Isso inibe que as pessoas investigadas venham a repetir os mesmos atos. A atuação da Polícia Federal é mais voltada à repressão, por isso é importante que o Estado atue na prevenção. Esse foi um trabalho muito difícil, precisou de uma logística grande, envolveu muitos policiais, três órgãos do estado. Então esse é um resultado sensacional para nós. É isso que nos faz continuar com o trabalho", completa.
LEIA AMANHÃ: AÇÃO DO ESTADO PARALISOU ATIVIDADE QUE COMETEU INFRAÇÕES FLAGRADAS NÃO SÓ PELA SEMAD E PM, MAS TAMBÉM PELA PF E MINISTÉRIO PÚBLICO.
Guilherme Paranaiba e Edwaldo Cabidelli
Ascom/Sisema